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  • Gabriel Amaro

STF avança na descriminalização da maconha

Especialistas discutem o impacto da decisão na política antidrogas e seu potencial efeito sobre comunidades negras e periféricas do Rio


Repórter: Gabriel Amaro

Editor: Larissa Mafra


Julgamento do STF sobre a descriminalização do porte de maconha / Foto: Carlos Moura/SCO/STF


A recente votação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal questiona as políticas antidrogas que historicamente afetam desproporcionalmente as comunidades negras e periféricas do Rio de Janeiro. O julgamento, com maioria favorável à descriminalização e à adoção de critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes, reacende debates sobre a eficácia do combate às drogas, justiça social e saúde pública.

O impacto da política antidrogas no Rio vai além da repressão às substâncias ilícitas, abordando questões sociais e raciais profundas. Segundo o antropólogo e doutor em Ciências Sociais Andrew Müller Reed, colaborador da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), a proibição das drogas continua predominante e causa impactos sociais graves: "A política proibicionista ainda vigora na maior parte do mundo. O efeito disso é a marginalização e o assassinato de jovens negros e pobres."


Reed argumenta que essa política é um instrumento de controle, que contribui para a manutenção da desigualdade e das tensões sociais, sobretudo em comunidades já desfavorecidas. Ele sugere que as leis e políticas de proibição não emergem isoladamente, mas são resultado de agendas morais e corporativas que frequentemente se transformam em políticas públicas, muitas vezes à custa de populações marginalizadas.


15ª edição da Marcha da Maconha São Paulo na Avenida Paulista. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil


Dênis Petuco, cientista social e pesquisador em saúde pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), questiona o verdadeiro objetivo da política antidrogas. Segundo ele, se a meta for erradicar ou diminuir o uso de drogas e melhorar a qualidade de vida das pessoas envolvidas, então o plano é um "imenso fracasso", não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil e no mundo. No entanto, se os “danos colaterais”, como violações de direitos e o extermínio da juventude negra, forem os objetivos reais, a política seria considerada um sucesso.

Petuco ressalta que a criminalização do porte de maconha contribui significativamente para o estigma dos usuários, servindo como uma “aprovação oficial ao preconceito, ao ódio e à exclusão social”. Quanto à ideia de que a medida poderia aumentar o consumo entre os jovens, o cientista é cético. “Se observamos os danos à vida e à saúde das pessoas que usam maconha no Brasil hoje, veremos que eles estão muito mais associados à criminalização do que ao uso propriamente dito.”

Proibição que alimenta a guerra

A discussão sobre o combate às drogas no Brasil está diretamente entrelaçada com questões raciais e socioeconômicas. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, negros representam 68,2% do total de detentos no país, o maior índice já registrado. A abordagem policial em comunidades majoritariamente negras e periféricas é frequentemente associada a episódios de violência, perpetuando um ciclo de marginalização e estigmatização.

O advogado criminalista e atual diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, Michael Dantas, afirma que “o alvo nessa guerra, especialmente nas áreas periféricas, é a população negra”. Para ele, essa mira desproporcional ocorre não apenas pela presença de pontos de venda de drogas nessas regiões, mas também "devido à sua pele, em decorrência do racismo estrutural reconhecido no perfil racial”.

Dantas menciona uma pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) citada pelo ministro Alexandre de Moraes durante a votação para ilustrar como a atual legislação contribui para essa desigualdade: um indivíduo branco precisa portar 80% a mais de maconha do que um negro para ser categorizado como traficante. Ele expressa uma visão crítica sobre o efeito da decisão do STF na atual guerra às drogas e defende a necessidade de reformas mais profundas: “Enquanto houver alguma substância proibida a se justificar uma guerra, nada muda.”


15ª edição da Marcha da Maconha São Paulo na Avenida Paulista. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil


Votação e oposição política

A adoção de critérios objetivos para diferenciar o uso pessoal do tráfico de drogas é um dos pontos mais debatidos no Supremo Tribunal Federal (STF). Reed observa que, embora a quantidade seja uma indicativo, outros fatores, como anotações e materiais de embalagem, também são considerados. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2023 revelou que os processos por tráfico frequentemente apresentam registros imprecisos das quantidades de drogas apreendidas, e muitos estão relacionados a pequenas quantias.

No debate sobre a quantidade de maconha permitida, os ministros do STF apresentaram propostas distintas: Cristiano Zanin propôs um limite de até 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. Por outro lado, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber sugeriram um intervalo entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas como quantidade aceitável.

O ministro Edson Fachin possui uma perspectiva diferente: entende que a definição da quantidade-limite de maconha deve ser uma atribuição do Congresso Nacional, ou seja, cabe ao Legislativo estabelecer essa regulamentação. Por sua vez, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu um limite de até 25 gramas ou seis plantas fêmeas, em concordância com a sugestão de Zanin. Entretanto, ele também defende que essa regulamentação seja aplicada até que o Congresso aprove uma lei específica sobre o tema, alinhando-se com a posição de Fachin.

O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, está em andamento. Até o momento, o placar da votação no STF está em 5 a 1 a favor da descriminalização do porte de maconha — apenas mais um voto a favor é necessário para que a decisão seja tomada. A Corte já possui maioria de 6 a 0 para estabelecer um critério objetivo para caracterizar o tráfico.

O ministro André Mendonça pediu vista, mas Rosa Weber, que se aposenta em setembro, antecipou seu voto e foi favorável à descriminalização. Quanto ao prazo para o pedido de vista no julgamento, de acordo com o regimento interno do STF, o período estabelecido para a devolução automática do processo é de 90 dias corridos, a partir da publicação da ata do julgamento no qual houve a interrupção. Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Dias Toffoli ainda não votaram. O julgamento teve início em 2015 e foi retomado em 2023.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), protocolou na última quinta-feira (14) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que explicita o crime de porte ou posse de qualquer quantidade de droga. A proposta requer o apoio de 27 senadores para iniciar a tramitação, o que corresponde a um terço do total de membros. A medida é uma resposta ao que Pacheco considera ser um movimento do STF em direção à descriminalização do porte de maconha. Ele defende que o debate inicie ainda este ano e argumenta que o porte ou posse de drogas não deve ser considerado um "irrelevante jurídico", pois isso poderia estimular o tráfico.





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