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"No papel, a gente perde sempre" diz Urutau Guajajara sobre marco temporal

Segundo o ativista, apesar de tese não ter sido aprovada, a perseguição aos povos indígenas vai continuar


Repórter: Rebeca Passos

Editor: Bernardo Monteiro


O julgamento do marco temporal que discute a demarcação de terras indígenas alcançou a maioria contra no Supremo Tribunal Federal (STF), na última quinta-feira (21). A tese defendida por ruralistas e rejeitada por indígenas foi invalidada por um placar de 9 a 2. Entretanto, mesmo tendo sido rejeitada, de acordo com o pesquisador e um dos líderes do movimento indígena no Rio de Janeiro, Urutau Guajajara, a perseguição e os ataques aos povos indígenas vai continuar.


A decisão de rejeição do marco temporal tem um alcance amplo, uma vez que estabelece um precedente que afeta todos os casos semelhantes no Brasil. Muito criticado por especialistas no assunto e por lideranças do movimento indígena, a tese poderia restringir a demarcação de terras pertencentes aos povos originários, podendo assim, segundo eles, violar seus direitos garantidos pela Carta Magna.


De acordo com o objetivo da tese, a demarcação de terras só poderia acontecer caso fosse comprovado que os indígenas estivessem nela ou disputando a posse dela na promulgação da Constituição Federal, no dia 5 de outubro de 1988 – data definida como “marco temporal”. No ano de 2021, devido a uma disputa entre o povo Xokleng e agricultores no sul do país, o assunto sobre a tese ressurgiu. No julgamento, estava sendo requerida a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ pelo governo do estado de Santa Catarina no STF.

Marcha indígena contra o marco temporal em Brasília - Foto: Kamikia Kisedje

Durante o processo de posse da aldeia Marak’ana, lar do pajé Urutau Guajajara, a situação não foi muito diferente. “No processo, que nós perdemos, um certo juiz disse, que não tínhamos nada aqui. No papel, a gente perde sempre”.


Para Urutau, o confronto pelos direitos da população indígena em habitar suas terras, não é atual: ele existe desde 1500 com a chegada dos europeus ao Brasil. O ativista diz que com o passar dos anos esse conflito foi se moldando às mudanças do tempo, mas a sua estrutura ainda é a mesma e é difícil de se mexer. O líder indígena ainda comenta que a todo momento surgem diversas tentativas – disfarçadas de propostas e projetos de lei – que tentam burlar e atingir os direitos primordiais para a sobrevivência dos povos indígenas, como a PEC 215 e o PL 290.


A PEC 215 e o PL 490 são propostas legislativas brasileiras relacionadas às terras indígenas. A primeira, apresentada no ano 2000 visava transferir a demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo. Já a PL, propõe mudanças para permitir atividades econômicas em áreas demarcadas, além de rever demarcações prévias.


As duas propostas têm gerado intensos debates e críticas por parte de defensores dos direitos indígenas e ambientalistas. Segundo Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a existência dessas reivindicações violam os Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas, bem como violam inúmeros princípios e preceitos da Constituição Federal, em especial o Art.231. Tais mudanças poderiam representar uma ameaça aos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas no Brasil.

Urutau Guajajara, pajé da aldeia Marak’ana e um dos maiores ativistas dos direitos indígenas no Rio - Foto: Rebeca Passos.

“As terras são do povo brasileiro. A sociedade nacional teria que proteger, mas não.” – Urutau Guajajara defende a demarcação de terras como forma de proteção e relembra o caso de Raposo-Serra do Sol. Em maio de 2008, pelo menos nove indígenas foram baleados por arrozeiros que invadiram a reserva Raposo-Serra do Sol, localizada em Roraima, região norte do país. Por mais que, três anos antes, a região tivesse sido demarcada pelo governo Lula, ainda assim, a determinação não foi respeitada: “Eles sabem que são os donos da caneta. Foi dado como ganha, mas não levamos”.


A queda da tese foi uma conquista importante, mas isso não implica que a ameaça tenha desaparecido por completo. Ainda persiste a possibilidade de o Congresso abordar a questão – agora sobre o preceito da PL 2903. Conforme Kléber Karipuna, coordenador executivo da Apib, a bancada ruralista mantém seu interesse nas terras indígenas e continua determinada a aprovar a tese do marco temporal a qualquer custo.

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