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Ministra Rosa Weber vota por descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação no STF

Julgamento suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso aguarda continuidade em sessão presencial


Repórter: Beatriz Serejo

Editora: Larissa Mafra


Ministra Rosa Weber em sessão plenária do STF. Foto: Nelson Jr.

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela descriminalização do aborto, nas primeiras 12 semanas de gestação. Rosa é a relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, caso que busca reparar alguns princípios e normas estabelecidos no ordenamento jurídico. O julgamento foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, e, com isso, prosseguirá em sessão presencial do Plenário, em data a ser definida.


O ministro Luís Roberto Barroso assume a presidência da Corte no próximo dia 28, e declara que não tem pressa para retomar a votação. Segundo integrantes do tribunal, o pedido de destaque foi combinado entre Barroso e Weber.

Rosa Weber e ministro Luís Roberto Barroso. Fonte: Blog Minard

A discussão sobre a descriminalização do aborto foi iniciada em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor da ação, que questionava a decisão citada nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940. O partido afirmou que essa norma viola os direitos fundamentais da dignidade, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano e da saúde. A proposta chegou a ser objeto de audiência pública em 2018, convocada pela ministra Rosa Weber. O objetivo era esclarecer a ideia da descriminalização com especialistas e representantes governamentais.


No plenário virtual, em voto de 129 páginas, Weber considerou que os artigos de 1940 questionados pelo PSOL, não eram compatíveis com a atual Constituição Federal. Em sua declaração, é desproporcional a pena de quatro anos para uma gestante que provoque ou autorize um aborto. A ministra ressaltou que a discussão jurídica sobre o aborto é de extrema delicadeza, uma vez que provoca convicções de todas as ordens da sociedade, moral, ética, legislativa e religiosa.


A mulher como sujeito autônomo

Rosa Weber também afirmou que a criminalização exclui a mulher como sujeito autônomo pela falta de aceitação do aborto por questões morais. “O Estado não pode julgar que uma mulher falhou no agir da sua liberdade e da construção do seu ethos pessoal apenas porque sua decisão não converge com a orientação presumivelmente aceita como correta pelo Estado ou pela sociedade, da perspectiva de uma moralidade”.


Anthony William, advogado especializado em direito civil, explicou como a autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana são aplicados no debate do aborto. “O princípio da autonomia e da vontade, consagrado na Constituição Federal, reconhece o direito da mulher de tomar decisões sobre o seu próprio corpo. Isso abrange a possibilidade de escolher interromper uma gravidez indesejada, desde que se encaixe nas modalidades permitidas por lei.”


Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.


Direitos do feto e o início da vida

Anthony afirmou que, apesar da autonomia da mulher ser um direito, o aborto entra em conflito com outros valores que impedem a descriminalização, principalmente os que envolvem a esfera religiosa e cultural. Além disso, o bebê, mesmo que não desenvolvido, possui direitos assegurados pela Constituição. “O nascituro, ou feto, pode ser considerado um ente dotado de personalidade formal e material, ou seja, tem direitos a serem zelados, como o direito à identidade genética, à indenização pela morte do pai, a alimentos gravídicos, à imagem e à honra. Assim, por lei, o feto já é considerado um ser humano digno de direitos.”


A presidente do STF destacou no julgamento que existe falta de consenso sobre o início da vida. Para ela, o argumento do direito à vida desde a concepção como fundamento para impedir a interrupção da gestação, não encontra suporte jurídico no desenho constitucional brasileiro. A discussão do direito à vida não é nova no supremo e já foi abordada no julgamento da Lei da Biossegurança (ADI 3510), que discutia o uso de embriões humanos para pesquisas de células-tronco, uma vez que tal tecido totipotente só é encontrado na fase embrionária.


Neste julgamento, a autonomia da mulher e a liberdade reprodutiva entraram em conflito, visto que, segundo a ministra, o Estado tem interesse em proteger a vida humana no nascituro e no embrião. Entretanto, um direito não pode inviabilizar o outro, pois os direitos humanos, incluindo os sexuais e reprodutivos da mulher, também merecem devida proteção.


Saúde pública

Outro tema abordado no julgamento foi a questão da saúde pública. Rosa Weber destacou que existe uma tendência constitucional de considerar o problema de saúde sexual e reprodutiva feminino como um assunto não apenas de saúde pública, mas também de direitos humanos.

Manifestação na Argentina após descriminalização do aborto. Fonte: picture-alliance

Em países que legalizaram o aborto, observa-se reduções significativas nos procedimentos clandestinos e arriscados. Na Argentina, por exemplo, a descriminalização do aborto até a 14° semana de gestação entrou em vigor em 2021. A ex-senadora e responsável pela secretaria jurídica do governo, Vilma Ibarra, afirmou que cerca de 370.000 abortos clandestinos anuais foram reduzidos para 32.758, enquanto os serviços de saúde especializados aumentaram em 30%.


Carina Maia, estudante de psicologia e ativista do movimento feminista e pró-escolha, enfatiza a urgência do aborto como uma questão de saúde pública. “Já vimos jovens que perderam suas vidas por complicações dos métodos abortivos, e com certeza, se existissem médicos especializados e postos de saúde para os procedimentos, nenhuma mulher se tornaria vítima do aborto clandestino.”


A estudante também compartilhou uma experiência própria. “Aos 17 anos engravidei e não tinha condições de gerir a criança. Fiquei desesperada, estava terminando a escola e queria um dia entrar em uma faculdade, mas isso não seria possível se me tornasse mãe. Conheci uma pessoa que me ajudou no processo de aborto, foi a coisa mais difícil da minha vida.” Carina contou que aquele foi seu primeiro contato com o movimento, e que até hoje luta para que mulheres tenham direitos sob seus próprios corpos e segurança, caso decidam interromper uma gravidez indesejada.


A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021, releva que uma a cada sete mulheres com idade próxima a 40 anos, já fez pelo menos um aborto no Brasil. O levantamento indica que 52% dessas mulheres tinham menos de 19 anos, com 46% entre 16 e 19 anos, e 6% entre 12 e 14 anos.


Entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais de rede pública de saúde no Brasil, com mais de 1,7 milhões de internações registradas como gravidez no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) terminando em aborto.


Laís da Silva, estudante e ativista, explica que as vítimas acolhidas pelo grupo, na maioria das vezes, pertencem à mesma classe e raça. “As meninas que ajudamos aqui, quase sempre são pretas e pobres. E isso não é coincidência, são pessoas que não têm acesso a métodos mais seguros e podem ter complicações muito sérias. As mulheres mais privilegiadas que optam por fazer aborto geralmente nem procuram métodos aqui no país.”


Uma pesquisa realizada pela Fiocruz em 2023, aponta que mulheres negras são 46% mais propensas a fazer um aborto. Isso representa que a cada 10 mulheres brancas que fizeram aborto, haverá 15 mulheres negras.


Os autores da pesquisa explicaram que a criminalização restringe o acesso das mulheres ao sistema de saúde antes do aborto, uma vez que o procedimento não é disponível. “O problema fundamental é que o aborto é tratado como um crime. Não é fácil imaginar qualquer outra proibição tão prejudicial quanto a restrição do direito à saúde”, afirmaram os especialistas.


A ministra Rosa Weber, que se aposentará até 2 de outubro, deixou seu voto que será contabilizado para a decisão final. A relatora explicou que não cabe ao STF elaborar políticas públicas relacionadas ao direito reprodutivo ou escolher normas que serão adotadas a política de saúde pública e da mulher. “A remoção dos entraves normativos e orçamentários são indispensáveis à realização desse sistema de justiça social reprodutivo.” Após a suspensão do julgamento pelo ministro Luís Roberto Barroso, a decisão prosseguirá em data a ser definida.

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