Segundo especialista, a prática é um problema de saúde pública, causado pela desinformação e imprudência da população
Repórter: Ana Beatriz Dias
Editor: Eduardo Dias
No Brasil, é comum o hábito de não somente se automedicar, como também indicar medicamentos para parentes, amigos e familiares para tratar de doenças cotidianas, como o resfriado. De acordo com pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha, a automedicação é uma prática corriqueira para 77% dos indivíduos. O consumo de remédios sem orientação de profissionais pode gerar dependência, intoxicação e óbito.
Para Ester Braga, farmacêutica, o principal motivo da automedicação é a dificuldade de acesso à saúde. Segundo ela, que é moradora da Zona Oeste do Rio de Janeiro, os trabalhadores da região gastam de quatro a cinco horas diárias nos transportes públicos. Sendo assim, não vão enfrentar filas no Sistema Único de Saúde (SUS) para receberem atendimento para dor de cabeça, febre ou resfriado.
“Como profissional, sempre digo que a melhor opção é ir ao hospital. Além disso, não indico remédio sem prescrição médica. No entanto, a falta de tempo e de assistência fazem com que os pacientes consigam ‘driblar' o prazo de espera em um posto de saúde para buscarem tratamentos indicados por terceiros.”, explica. Braga afirma que os indivíduos que mais praticam a automedicação são principalmente os jovens e as pessoas de baixa renda, que ela costuma chamar de ‘médicos de si’, já que buscam soluções próprias mediante as dificuldades de suas realidades.
No Brasil, são registrados 20 mil óbitos por ano devido ao uso de fármacos por conta própria. Analgésicos e antitérmicos (50%), antibióticos (42%) e relaxantes musculares (24%) estão entre os medicamentos mais consumidos pelos pacientes.
Conforme a especialista, a automedicação é um problema de saúde pública, causado pela desinformação e imprudência da população. “Quando o paciente faz uso de antibiótico, por exemplo, ele supõe quantos dias deve tomar, sem pensar nos problemas que podem ser gerados. Dessa forma, os órgãos de saúde têm a função de combater esses casos, uma vez que eles são as principais causas de intoxicações”, pontua.
Ela detalha que o papel do farmacêutico no uso racional de medicamentos é promover informação, para orientar e desfazer os mitos relacionados à saúde. “Se tratando de remédio, que é uma droga lícita, o que separa o antídoto do veneno é a dose. De vez em quando, vejo pessoas querendo utilizar antibióticos para tratar gripe. Esse grupo é exclusivo ao combate de bactérias, porém, os agentes infecciosos da gripe são os vírus. Ou seja, não funciona. Os pacientes se confundem e nós temos a função de ajudá-los.”
Automedicação pode fortalecer bactérias
Aimée Freitas, estudante do sexto período de Farmácia, ressalta que um dos maiores riscos da automedicação é a resistência antimicrobiana. “Quando o paciente utiliza antibacteriano, ele não sabe quanto tempo vai durar o tratamento. Na maioria das vezes, as pessoas encerram o procedimento antes, contribuindo para que sobrem microrganismos em seus corpos. No momento em que isso acontece, eles se adaptam à baixa concentração de antibiótico que ainda está no organismo, se transformando em microrganismos resistentes.”
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), cerca de 38,1 milhões de brasileiros têm pressão alta e mais de 12,3 milhões são diabéticos. Para Freitas, a tendência é que esses números aumentem devido ao crescimento do consumo de açúcar. Por isso, é necessário praticar o uso racional de medicamentos, que é baseado no diagnóstico e na prescrição dos profissionais de saúde.
Em 1998, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância de evitar a automedicação, o Conselho Nacional de Entidades Estudantis de Farmácia criou o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, comemorado em 5 de maio. A data é focada em ações que alertam os riscos da automedicação sem prescrição médica.
Descarte incorreto de medicamentos
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 50% dos usuários de medicamentos descartam os resíduos incorretamente. Quando concluem o tratamento, os pacientes jogam os remédios no lixo comum, na pia da cozinha ou no vaso sanitário. Freitas destaca que a prática pode provocar intoxicação nos profissionais responsáveis pelo trabalho de coleta seletiva, além de contaminar os animais, rios, lagos e lençóis freáticos.
“Caso a pessoa descarte um fármaco de maneira incorreta, ele é levado até os lixões ou aterros sanitários. O líquido que sai do entulho atravessa as camadas de terra e chega aos lençóis freáticos, contaminando a água potável. Se houver chuva, por exemplo, os resíduos podem ser carregados para os rios e lagos, que além de mudar as características daquele habitat, traz problemas para os animais presentes. Outro problema relacionado aos bichos é que eles costumam mexer nos despejos e, ao ingerir os medicamentos, têm graves riscos de sofrerem intoxicações.”, diz.
A estudante alerta que nos diversos lugares onde os remédios são destinados, existem microrganismos que se aproveitam da oferta para se tornarem resistentes. Para evitar estes problemas, é preciso procurar os postos de coleta de medicamentos, localizados em farmácias, hospitais e unidades de saúde.
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