Governo sofre pressão da sociedade civil por mais diversidade nas nomeações
Repórter: Gabriel Amaro
Editor: Eduardo Dias
As recentes saídas de duas ministras do governo Lula (PT), somadas à possível indicação de um homem para suceder Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF), levantaram a discussão sobre governabilidade e representatividade no cenário político nacional. No epicentro deste debate, encontra-se o dilema de manter a estabilidade política através de alianças com o Centrão, correndo o risco de sacrificar a representação de gênero e raça em posições-chave do governo e do Poder Judiciário.
No início de julho, Daniela Carneiro deu lugar a Celso Sabino (União Brasil-PA) no Ministério do Turismo. Após negociações com partidos como PP e Republicanos, Ana Moser foi substituída por André Fufuca (PP-MA) no Ministério do Esporte em setembro. Por sua vez, a vaga de Rosa Weber — que se aposentou por limite de idade, 75 anos, no último sábado (30) — no STF tornou-se um centro de debate.
Centrão: quando surgiu e como funciona?
Dentro do complexo jogo do presidencialismo de coalizão — no qual o presidente precisa garantir uma base de apoio no Congresso Nacional que lhe garanta condições de governar —, os partidos da situação frequentemente são minoria, levando à necessidade de formação de bases parlamentares.
O Centrão, um conjunto de partidos que não está totalmente alinhado com o governo, mas também não faz parte da oposição, tem papel fundamental nessa dinâmica. A influência desse grupo vem da sua habilidade de adaptar suas decisões conforme a pauta em discussão e de seu número significativo de membros no Congresso. Essa força pode ser decisiva para aprovar ou barrar projetos.
A origem do Centrão remonta à elaboração da atual Constituição brasileira, em 1988, quando atuou como um contraponto a grupos considerados mais progressistas. Contudo, a configuração atual desse bloco ganhou forma com figuras políticas como o ex-deputado Eduardo Cunha e desempenhou um papel fundamental no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Nesse contexto, a capacidade do presidente Lula de negociar e estabelecer acordos com o Centrão pode se mostrar vital para avançar sua agenda política.
Alessandra Maia Terra de Faria, professora de Ciência Política na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenadora acadêmica da Pesquisa Mulheres Eleitas, destacou que “conseguir manter o apoio da população para a sua agenda é uma tarefa que requer compromisso, carisma e trabalho duro”. Segundo ela, a habilidade de Lula ao dialogar com diferentes grupos é um dos principais trunfos do atual governo em suas negociações com o Centrão. Mas, simultaneamente, há uma clara necessidade de equilibrar essa habilidade com a crescente demanda por representatividade.
Mesmo com mulheres representando 45% da força de trabalho no governo federal, apenas 33% delas ocupam postos de alto escalão, segundo o Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. A desigualdade é ainda maior entre as mulheres que se declaram pretas e pardas, ocupantes de apenas 9% desses cargos. A representação das mulheres na administração federal não condiz com a população do país. Em 2022, o IBGE divulgou que 51% da população brasileira é feminina e 56% é negra.
Campanha por representatividade no STF
Setores da sociedade civil fizeram campanha pela indicação de uma mulher negra no STF, um marco que ainda não foi atingido nos mais de 130 anos de história da maior instância judiciária do país. Movimentos como “Em Defesa de uma Ministra Negra no STF”, organizado pela Coalizão Negra por Direitos, que reúne 292 movimentos negros e antirracistas de todo país, e a exposição artística “Juízas Negras para Ontem” são exemplos que evidenciam a demanda social por representatividade. Na visão de Maia, uma ministra negra no tribunal seria o reconhecimento de uma reivindicação justa: “Seria histórico e positivo, além de consoante a uma demanda legítima dos movimentos sociais organizados pela causa.”
Com o pano de fundo de uma crescente demanda por políticas públicas sustentáveis em um mundo pós-pandêmico e a crise climática, Maia também ressaltou a posição internacional de Lula. Segundo o recente relatório da Morning Consult, o presidente brasileiro encontra-se em um grupo seleto de líderes mundiais com mais de 50% de aprovação entre as populações que governam:
“Lula está em boa companhia. Ao seu lado aparecem Narendra Modi, do Partido do Povo Indiano; Andrés Obrador, do Morena no México; e Alain Berset, do Partido Social Democrata Suíço. Pode ser interpretado como uma resposta à demanda mundial por políticas consonantes a uma agenda de trabalho sustentável”, disse a cientista política.
Aprofundando a discussão sobre representatividade, Maia sugeriu que é necessário dialogar com os grupos que buscam reconhecimento: “Promover o debate democrático sobre o assunto, com participação e escuta efetiva dos grupos sub-representados, seria essencial.”
Enquanto a vaga de Weber aguarda um ocupante, o ministro Luís Roberto Barroso assumiu a presidência do STF na última quinta-feira (28). Em sua posse, Barroso abordou os problemas da representatividade, defendendo uma maior inclusão de mulheres nos tribunais e uma ampliação da diversidade racial. O ministro também reforçou que direitos de minorias e comunidades, como indígenas e LGBTQIA+, não são questões de progressismo, mas sim de “respeito à humanidade”.
Os três favoritos à sucessão da ministra Weber estavam presentes na cerimônia de posse de Barroso: Bruno Dantas, atual presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB-MA) e o advogado-geral da União, Jorge Messias.
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