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  • Ana Beatriz Dias

Operação Maré revela possível chegada de fentanil ao Rio

Droga é 100 vezes mais potente que a morfina e a principal causadora de overdoses nos Estados Unidos


Repórter: Ana Beatriz Dias

Editor: Eduardo Dias


A polícia do Rio de Janeiro apreendeu embalagens etiquetadas como “fentanil” durante a “Operação Maré”, na comunidade da Nova Holanda, no dia 9 de outubro. O fentanil é um anestésico que se destaca pelo potencial destrutivo: é 50 vezes mais viciante que a heroína e 100 vezes mais potente que a morfina. Se a perícia confirmar a presença da substância, este será o primeiro caso registrado no Rio de Janeiro e uma das raras aparições da droga no Brasil. Nos Estados Unidos, é responsável pela morte de 70 mil pessoas por ano e o principal agente em casos de overdoses.


Fentanil: anestésico controlado 100 vezes mais forte que a morfina - Foto: Bernard Chantal/iStock

Desenvolvido originalmente em 1960 como uma alternativa mais segura e potente aos analgésicos narcóticos da época, o fentanil é classificado como um opioide sintético. Hoje, é utilizado principalmente para o controle da dor e está disponível em diversas formulações, como intravenosa, oral, nasal e transdérmica (adesivos de pele).


A droga atua no cérebro para causar sedação, analgesia e euforia. Overdoses geralmente ocorrem devido às propriedades depressoras respiratórias da substância, que causam a falta de oxigenação nos órgãos e, consequentemente, a morte.


Segundo Marcos Rochedo Ferraz, professor do departamento de Farmacologia e Psicobiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o fentanil atua no sistema nervoso de uma forma especialmente perigosa. “O fentanil é um opioide quimicamente semelhante à morfina, mas que é cerca de 100 vezes mais potente. Os opioides ativam receptores que regulam a percepção da dor, e que atuam nas zonas de recompensa (prazer) do cérebro”, explica.


Ele detalha como esses receptores, normalmente ativados por endorfinas naturais, são estimulados de forma excessiva pelo fentanil. Esse estímulo gera uma liberação massiva de dopamina, hormônio que provoca a sensação de prazer. A ação “parece 'sequestrar' as zonas de recompensa do cérebro”, o que torna a droga extremamente viciante e arriscada.


De acordo com o especialista, o fentanil é muito mais potente do que os outros analgésicos, principalmente devido à sua alta afinidade química pelos receptores opioides no cérebro. Ferraz também destaca que a sua solubilidade lipídica — a capacidade de se dissolver em gorduras — permite que a droga alcance o sistema nervoso central de forma rápida e com alta concentração, o que intensifica seus efeitos viciantes e perigosos.


Ao descrever a ação da substância na oxigenação do corpo, ele adverte que ela afeta diretamente o centro respiratório do cérebro e leva à paralisia do sistema. “Os opioides simplesmente desligam o centro respiratório. Então, o sangue vai se enchendo de gás carbônico (e ficando com menos oxigênio) sem que o centro respiratório perceba. Esse fenômeno é denominado “depressão respiratória’”, explica. Ferraz indica que a droga pode causar sedação, o que dificulta a respiração voluntária, e evidencia os riscos adicionais para procedimentos médicos, como a ventilação mecânica, devido à ação da fentanila na musculatura da laringe.


No Brasil, o fentanil não é uma novidade nas ruas, sobretudo no estado de São Paulo, onde a presença da substância está documentada há mais de uma década. Entre 2020 e 2022, mais de 1.200 frascos foram confiscados somente em SP, totalizando aproximadamente 12 litros. O último caso foi uma apreensão de 810 gramas em Carapicuíba, no dia 8 de fevereiro deste ano. Dois dias depois, uma operação policial no Espírito Santo chamou mais atenção para o assunto, ao apreender 31 ampolas do anestésico.


A crise do fentanil nos EUA


Fentanil mata 70 mil pessoas por ano nos EUA - Foto: Randy Laybourne/Unsplash

Em 2021, os Estados Unidos registraram um recorde de mais de 100.000 mortes por overdose, das quais 75% foram causadas por opioides sintéticos. A crise passou por uma transformação significativa, marcada por um aumento nas mortes causadas pela combinação de fentanil e estimulantes, como cocaína e metanfetamina. Conforme os estudos da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), a proporção dessas mortes escalou de 0,6% em 2010 para 32,3% em 2021.


Especialistas descrevem essa tendência como a “quarta onda” da crise de opioides, o que levanta novos desafios para o sistema de saúde, já que os tratamentos convencionais podem não funcionar para essas combinações de drogas. Uma pesquisa publicada em setembro de 2023 na revista Addiction revelou que as overdoses envolvendo a mistura de fentanil e um estimulante aumentaram mais de cinquenta vezes de 2010 a 2021.


O impacto do problema é desproporcional em comunidades racial e etnicamente diversas. Em 2021, cerca de 73% das mulheres afro-americanas idosas no oeste dos EUA e 69% dos homens afro-americanos de meia-idade na mesma região sofreram overdoses envolvendo essa combinação de substâncias. Eles representam 49% da população total dos EUA.


Ferraz ressalta os efeitos gerados pela combinação do fentanil com drogas estimulantes: “O risco de morte por overdose aumenta absurdamente! Uma droga vai comprometer a oxigenação do corpo enquanto a outra vai exigir o maior gasto de oxigênio”, alerta. Segundo ele, a mistura pode ser letal pois os psicoestimulantes aumentam a liberação de neurotransmissores como a dopamina e noradrenalina, que elevam a pressão arterial e a frequência cardíaca, enquanto o fentanil compromete a oxigenação do corpo.”


O especialista afirma que os laboratórios toxicológicos são capazes de detectar o fentanil combinado com outras drogas desde que contem com o equipamento necessário. “A questão é: ‘quão bem equipados’ estão os nossos laboratórios de análise de drogas?”, questiona Ferraz. Ele salienta que os usuários muitas vezes não têm conhecimento das substâncias que estão consumindo e ficam à mercê dos traficantes, e enfatiza a necessidade de laboratórios preparados para uma detecção precisa.


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