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  • Jônatas Levi

Milícia: o terror cotidiano de moradores no Rio de Janeiro

Moradores relatam extorsões, toque de recolher e aumento da violência


Repórter: Jônatas Levi 

Editor: Bernardo Monteiro


Rio das Pedras, Zona Oeste Rio de Janeiro - Foto: Fábio Costa

A água do café ferve, os filhos fazem o dever de casa e tudo corre normalmente em mais um dia na vida da Cristiane. Enquanto cumpre seus afazeres domésticos antes de abrir seu pequeno comércio que fica em frente a sua casa, a campainha toca. Quando atende, a mulher de 37 anos se depara com um homem de cabelos brancos, fortemente armado. Um miliciano bem conhecido da região, que vai direto ao ponto: exige o pagamento da “taxa de funcionamento”, para que a pequena loja de roupas da mulher pudesse funcionar no bairro de Santa Cruz, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Os “donos" do local pedem um valor que representa aproximadamente 30% dos lucros obtidos no estabelecimento por semana.  


Ao falar que não seria possível pagar o que havia sido pedido, os homens foram claros: “a loja só poderá funcionar com o pagamento da taxa, sem isso, não tem muito o que possamos fazer por você e fica proibida de vender qualquer coisa aqui”. Ao se ver sem alternativa, Cristiane, mãe de Caio, de sete anos, e Joana, de 12, se viu obrigada a fechar a loja do qual obtinha o sustento da família. A moradora acredita que o fato ocorreu por ter realizado uma pequena obra de ampliação da butique, o que teria causado descontentamento dos milicianos. “Eles achavam que eu estava ganhando muito dinheiro e uma parte tinha que ser deles. Não se conformaram em ver que o meu negócio estava dando certo”. 


O caso de Cristiane é apenas um dentre vários ocorridos no Rio de Janeiro. Dados divulgados pelo Instituto Fogo Cruzado, em setembro de 2022, apontam que os territórios ocupados pelas milícias na região metropolitana do Rio de Janeiro representam o total de 49,9% de regiões sob domínio de algum grupo armado. Ao todo, 10% de toda área territorial do Grande Rio é ocupada por algum grupo paramilitar. 


Mapa da criminalidade no Rio de Janeiro até 2021 - Foto: Reprodução

“O cotidiano de um cidadão que transita ou reside em uma área dominada por milícias é diretamente impactado pela constante ameaça sobres os territórios em que tais serviços são ofertados de maneira insatisfatória por parte do Estado e do setor privado”, explica Jonas Pacheco, sociólogo especialista em segurança pública. Ele afirma que, diferente de outros grupos de crime organizado, como o tráfico de drogas, o domínio dos milicianos se estabelece por meio de um domínio territorial e de serviços básicos. 


Ainda, segundo o pesquisador, a dificuldade de acesso a serviços fez com que a milícia se fortalecesse nas últimas décadas. A Zona Oeste da capital fluminense é onde se vê um maior controle desses grupos: transportes alternativos se destacam e centros de saúde vinculados a lideranças milicianas também são vistos nessas regiões. Para Pacheco, as milícias viram na ausência da oferta desses serviços uma oportunidade de lucro.


Débora Mendonça, de 31 anos, moradora de São João de Meriti, vive em um dos locais da cidade que foi recentemente “tomado” por um grupo paramilitar. Ela conta que, mensalmente, desde que os milicianos começaram a agir na região, vem sendo cobrada uma “taxa de condomínio”, que seria para arcar com os custos da “segurança” feita pelo grupo armado local. Segundo Débora, os milicianos impuseram aos moradores um toque de recolher, e, após às 23h, não é possível circular pelo bairro. “Eles chegaram aqui e começaram a comandar a região com mão de ferro. Basicamente colocaram uma moradora para fora daqui por ela não ter conseguido realizar o pagamento da taxa que eles cobram. Nós temos vivido dias de terror. Gostaria muito de sair daqui, mas estou sem alternativa”.


Outro morador que sofre com o domínio dos milicianos é Gustavo Almeida, de 26 anos, morador de Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele conta que no local, os moradores são obrigados a comprar botijão de gás dos grupos por um valor estipulado pelos paramilitares. “Já cheguei a pagar 200 reais. É um valor totalmente fora da realidade, mas que sou obrigado a pagar por conta de viver no local em que vivo”, comenta Almeida. Ele ainda afirma que, além de os moradores serem obrigados a contratar serviços de TV à cabo dos criminosos, os valores praticados estão acima dos cobrados pelas operadoras. “Eles não permitem que qualquer outro serviço seja contratado. Ou é o deles, ou nenhum”.  


Em outro levantamento do Fogo Cruzado, foi registrado um aumento de 127% no número de mortos a tiros na Zona Oeste em 2023 se comparado a 2022. Entre janeiro e outubro deste ano, foram contabilizadas 248 mortes contra 109 do mesmo período do ano passado. O número de tiroteios também sofreu um aumento de 55% quando confrontado com o ano anterior. 


O principal motivo para a crescente dos números da violência foi a morte do miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, um dos maiores chefes do crime organizado do Rio de Janeiro. O fato fez com que os grupos entrassem em disputa pelas regiões, causando um aumento na tensão entre os paramilitares que disputam territórios do estado. “A morte do Ecko fez com que os confrontos e a tensão entre os grupos se agravasse, o que torna as vidas dos moradores destas regiões ainda mais complicadas”, explica Pacheco. 


“Não sinto mais que tenho o direito de ir e vir. Sinto medo, eu poderia ser confundido, ou morto por ter visto demais. Desde que aconteceu, não consigo mais sair à noite”. Enquanto estava voltando da academia, no bairro de Jacarepaguá, Lucas Carvalho, estudante da UFRJ, de 27 anos, presenciou um dos confrontos entre grupos de milicianos pelo domínio da região. O jovem caminhava para sua casa, que fica aproximadamente 10 minutos de onde malha, quando em um determinado momento do caminho, viu um homem ser morto a tiros. O jovem relata que, durante o ocorrido, conseguiu olhar para um dos criminosos, e isso o fez ter  a sensação de que também seria uma das vítimas do grupo. 


Pacheco, especialista em segurança pública, afirma que o combate efetivo destes grupos não pode ser feito através de mega operações policiais, e sim de maneira articulada e focada em enfraquecer economicamente os milicianos.  “A medida mais urgente a se tomar seria combater os ganhos econômicos das milícias. Isso não é feito com tiros e operações nas comunidades, mas com investigações e operações bem articuladas de combate”.  


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