Após dois anos sem confronto armado, Hamas e Israel voltam a disputar território e poder nas áreas da Faixa de Gaza e Jerusalém
Repórter: Beatriz Serejo
Editor: Miguel de Paula
O grupo terrorista palestino Hamas rompeu o bloqueio à Faixa de Gaza na manhã do último sábado (7) e infiltrou o sul de Israel. Após a invasão, foram realizados sequestros e atentados contra a vida de civis. O ataque aconteceu pela manhã quando os terroristas chegaram de barco na praia de Zikim e tentaram invadir um kibutz, uma forma de coletividade comunitária israelita. A resposta do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi direta e declarou guerra ao Hamas no dia seguinte.
O Hamas já havia planejado o ataque e monitorava a região com drones e, de maneira coordenada, atacou os muros de ferro que dividem Israel e Palestina em 29 pontos. Com isso, o grupo lançou explosivos nas torres de comunicação e nos sistemas de defesa israelenses para derrubar as barreiras. Desse modo, o Hamas abriu brechas para a invasão de outros integrantes extremistas por terra.
Cerca de 1300 israelenses foram mortos e dezenas de soldados e civis ainda são mantidos como reféns em Gaza, segundo a Defesa de Israel. Milhares de palestinos também foram mortos nos ataques aéreos do exército israelense à Faixa de Gaza. O estado estabeleceu um bloqueio total da região, impedindo a entrada de alimentos, combustíveis e água, o que é proibido pelo direito humanitário, de acordo com a ONU.
O número de mortos chegou a 3.515 pessoas neste sábado (14), após uma semana do conflito armado. A maioria das vítimas são palestinas, com 2.215 mortos e 1.500 corpos de combatentes do Hamas.
O estopim da guerra
A tensão entre os dois lados foi agravada após a decisão de despejo de famílias palestinas para entregar casas a colonos judeus, em Jerusalém Oriental. A suprema corte de Israel iria julgar o caso em questão, já que por lei, os judeus têm direito de reivindicar terras na região.
A violência no Ramadã foi outro ponto que convulsionou a guerra para ambos lados. A celebração acontece em abril e é um mês sagrado para os mulçumanos e celebrado por muitos palestinos. Durante as reuniões religiosas, palestinos reclamaram do controle excessivo da polícia nos templos, e alguns cidadãos protestaram por suas liberdades religiosas e foram oprimidos de maneira violenta.
Além disso, no dia de Jerusalém, comemorado na segunda semana de maio (10), tradicionalmente, os jovens israelenses caminham por áreas muçulmanas da cidade e cantam músicas religiosas, o que os palestinos consideram uma provocação. Ambas as partes disputam por território em Jerusalém, por isso algumas expressões religiosas e culturais são vistas de maneira hostil pela população.
A confusão no dia sagrado começou do lado de fora de uma mesquita da cidade e palestinos atacaram a polícia israelense com pedras. Os militares revidaram e dispararam balas de borracha e gás lacrimogêneo. Nesse confronto, mais 300 palestinos ficaram feridos e isso gerou uma insatisfação para o grupo Hamas, que denunciou a repressão policial e reagiu lançando centenas de foguetes contra Jerusalém. Isso desencadeou uma resposta militar forte de Israel, que realizou ataques aéreos na Faixa de Gaza e também contra os líderes do grupo Hamas.
O que é o Hamas?
Antes de ser criado oficialmente, o Hamas era um desdobramento da Irmandade Muçulmana, um grupo sunita fundado no final da década de 20. A organização com ala militar nasceu do conflito israelo-palestino e prega a destruição de Israel em prol da susbtituição por um Estado Islâmico. O grupo foi criado em 1987 por palestinos que não reconhecem Israel como um Estado, já que acreditam que a Palestina deveria ser reconhecida como um território.
Como a maioria das facções e partidos políticos palestinos, o Hamas insiste que Israel é uma potência colonizadora que aprisiona os cidadãos da Palestina, e que não dialoga com o estado. Ao longo do tempo, a organização proferiu inúmeros ataques a Israel e foi denominado como “grupo terrorista” pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelo próprio estado judaico.
A organização ocupa a Faixa de Gaza desde 2007, localizada entre Israel, Egito e o Mar Mediterrâneo. A região de Gaza foi capturada por Israel durante a Guerra dos Seis Dias em 1967, mas em 2005 o Estado retirou suas tropas e mais de 7000 colonos da área. Atualmente, ela é o lar de 2,2 milhões de pessoas e 75% delas são refugiadas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). O domínio do lugar é exercido pelo Hamas, embora quem controlasse o espaço aéreo é o estado judáico. Além disso, o Egito também tem um papel fundamental no controle de ir e vir dos civis, pois ele regula a entrada e saída de pessoas por meio de sua fronteira com o local.
O professor e historiador Eduardo Teixeira, formado pela UFRJ, afirmou que o ataque ao kibutz significou muito mais do que um atentado à vida de civis. “Esse conflito não é de hoje, assim como a rejeição dos judeus a um estado que pertence a eles também. Quando eles atacam primeiro um coletivo judaico, a gente já pressupõe e entende que aquilo foi mais uma tentativa do Hamas de expulsar os judeus de um território que eles conquistaram anos atrás.”
Eduardo também frisou que esse foi o maior ataque a uma população judia desde a fundação de Israel. “O objetivo do Hamas não é poupar a vida de seus cidadãos, mas sim de liberar a Palestina da presença dos judeus. Eles dizem que a expulsão dos judeus é primeiro uma obrigação do cidadão palestino, depois do árabe e depois do mulçumano.”
O professor argumentou que o assentamento da população judia no território palestino é o motivo central do confronto que acontece há décadas. Isso porque a lei israelense permite que os judeus reivindiquem propriedades em Jerusalém, perante a comprovação de título de residência anterior à guerra de 1948 (antes da criação do estado de Israel). Entretanto, os palestinos dizem que a mesma lei não existe para eles, já que perderam também suas casas na guerra.
O conflito histórico
A guerra entre Hamas e Israel existe desde a chegada dos judeus à Palestina, que fugiam de perseguições religiosas na Europa, no final do século XIX. Em 1947, a ONU divide a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Até meados do século XX, a Palestina era a Cisjordânia, Gaza, Jerusalém Oriental e Israel, entretanto, essas são terras do reino judaico, na bíblia, são vistas por muitos judeus como antigas pátrias. Em 1948, Israel foi declarado um Estado e se separou do que antes era conhecido como Palestina, mas os que não reconhecem o direito de existência do país entraram em um conflito religioso e cultural.
De acordo com a cientista social Débora Ramalho, formada pela UFRJ, a comunidade judaica fez uma mobilização em torno de uma ideia de nacionalidade e deseja retornar ao que é considerado como seu território sagrado, a terra prometida de Jerusalém. A ideia de voltar a sua antiga pátria é originada no período da Primeira Guerra Mundial, quando os judeus fugiram da Europa devida a ascensão dos regimes nazi-fascistas.
“A ideia era comprar os territórios de propriedades que os judeus consideravam deles, casas e terras de Jerusalém que biblicamente já tinham donos antes da colonização europeia” afirmou Débora.
Por outro lado, havia uma parcela de palestinos que tinham o desejo de tornar o Estado judáico independente, uma vez que dentro do território estavam outras terras bíblicas como Jerusalém. Porém, com o reconhecimento de Israel como um estado judáico, a maioria não aceitou a decisão e declarou guerra a ele.
Desde 1987, ano em que o grupo Hamas foi fundado, que ambos os lados estão em conflito. Entraram em guerra nos anos de 1987-1993, 2002-2005, 2007 e em 2021 (em que o confronto durou 11 dias e teve inúmeras mortes).
Sobre o atual embate, a cientista social também frisou que a guerra é contra o Hamas e o estado de Israel, não entre os povos palestinos e israelenses. “A gente precisa entender que o Hamas não é a Palestina, eles são um grupo terrorista que existe a quase 40 anos e que não representa o povo palestino, assim como os israelenses não são vilões que aprisionam um povo menor que eles.”
Até o momento, Netanyahu disse que o objetivo de Israel é “expulsar as forças hostis que se infiltraram no nosso território” e “restaurar a segurança e a tranquilidade das comunidades que foram atacadas.”
Sobre as acusações de violência extrema contra mulheres e crianças, o Hamas negou os atos. “Nós, o Movimento de Resistência Islâmica Palestina Hamas, denunciamos veemente essas reivindicações e invenções infundadas que visam incitar o nosso povo na sua luta legítima.”
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