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  • Beatriz Serejo

Empresas usam terras públicas da Amazônia de forma irregular para venda de créditos de carbono

Ação judicial mira oito empresas, cinco delas brasileiras, por suposto esquema de fraude e grilagem de terras públicas


Repórter: Beatriz Serejo

Edição: Paula Freitas


Foto: Mara Hermes

Portel, município do Pará


Oito empresas, entre elas cinco brasileiras, usaram terras públicas na Amazônia para lucrar com a venda irregular de créditos de carbono para multinacionais. A Defensoria Pública do Estado do Pará levou o caso à justiça com três ações civis na Vara Agrária de Castanhal. Segundo o órgão, esses projetos ilegais eram realizados na área rural de Portel, município predominantemente habitado por populações ribeirinhas.


O crédito de carbono é um instrumento de mercado que precifica e busca compensar as emissões de gases do efeito estufa. Esse mecanismo funciona através de projetos certificados que reduzem e capturam a quantidade de CO2 emitida em outra área. Assim como as multinacionais do caso, empresas e indivíduos compram créditos de certificadoras para compensar as suas liberações de poluentes na atmosfera.


A comercialização ilegal dos créditos teria sido realizada, então, para compensar as emissões de gases do efeito das grandes corporações envolvidas. Os projetos foram registrados pela maior certificadora de venda de créditos de carbono, a Verra, uma organização sem fins lucrativos. Corporações como Disney, Gucci e Shell são algumas que usam os serviços da empresa para reivindicações climáticas.


A Defensoria Pública classifica o caso como de grilagem de terras públicas, uma vez que as empresas responsáveis pela venda dos créditos utilizaram Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos. Os nomes das oito instituições envolvidas ainda não foram divulgados. A irregularidade da compra está no uso deste documento para comprovar à Verra, certificadora internacional, que as áreas da floresta eram de propriedade privada. Como consequência, as multinacionais não são o alvo das ações civis, mas, sim, os responsáveis pela comercialização irregular de créditos de carbono.


O mercado do carbono


O mercado de carbono foi estabelecido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro há 31 anos. O comércio de emissões de gases estufa procura limitar as mudanças climáticas. Por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito.

Esse passe funciona como uma licença obtida por um país ou uma empresa para liberar determinada quantia de gás efeito de estufa, como uma maneira de controlar o aquecimento global. Projetos de redução do desmatamento geram créditos por evitarem emissões que seriam causadas pela derrubada de uma área da floresta. A Verra é a maior empresa que movimenta esse mecanismo.


A advogada Jaqueline de Paiva, especializada em direito ambiental e civil, afirma que essa discussão é recente no ordenamento jurídico brasileiro. “Depois da recente instituição do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), é possível regulamentar a comercialização para que seja feita de maneira transparente, visto que o Brasil tem seus problemas quase que culturais envolvendo a falsificação de documentos”.


Ela também indica que o MBRE é uma alternativa que pode transformar o país em uma potência do mercado de carbono, já que a Floresta Amazônica é o maior e mais importante bioma do mundo quando o assunto é a contenção do aquecimento global. Para ela, o desafio é combater as atividades ilegais que existem na Amazônia. “Existe uma grande dificuldade em implementar o Código Florestal no país, parece que quando falamos de meio ambiente, não existe legislação que impeça o desmatamento e a irregularidade”.


Foto: Izabela Rebouças

Crianças ribeirinhas em comunidade


A grilagem de carbono


A comunidade ribeirinha de Portel alega que representantes das oito empresas envolvidas não citaram os créditos de carbono em nenhum momento, e ainda deixaram claro que a população local não seria beneficiada pelo projeto.


A controvérsia da comercialização começou pela documentação alterada, uma vez que as coordenadas geográficas alertam que a área em questão é de domínio público. Nos registros, as áreas estariam classificadas como domínio privado.


A grilagem teria sido realizada no momento em que a área foi concedida de maneira irregular. O conceito não existe na legislação, mas a forma mais conhecida do ato é pela falsificação de títulos de terra ou desmatamento ilegal de domínio público.

Paiva aponta que o episódio também se encaixa no crime de fraude. As empresas que venderam os créditos teriam agido de má-fé e estavam com o cadastro rural inválido desde o princípio. “Quando há objetivo de ludibriar algo ou alguém, isso é enquadrado como ato fraudulento, ainda que não consigam provar que os documentos eram de fato falsificados”.


A utilização de terras públicas como se fossem particulares para venda de créditos de carbono também pode ser caracterizada como ato de improbidade, de acordo com a advogada.


Em relação a irregularidade e a grilagem das terras, a Defensoria do Estado do Pará solicitou, por meio das ações, que “sejam assegurados os direitos ao território das comunidades ribeirinhas; seja reconhecida a invalidade dos projetos de crédito de carbono e todos os negócios decorrentes deles; seja impedida a entrada de responsáveis pelos projetos nos assentamentos e seja paga indenização moral por danos coletivos no valor de 5 milhões por ação judicial.”


Em comunicado, a Verra atesta que colabora com a ação civil do órgão estadual e que os projetos em questão estão sendo submetidos a auditorias e reavaliação. As multinacionais, por sua vez, alegam que não estavam cientes das ilegalidades.




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