Estudantes revelam dificuldades e esperanças em relação ao vestibular
Repórter: Estefani Andrade
Editor: Gabriel Amaro
A desigualdade da educação no Brasil é a realidade de milhões de estudantes de escolas públicas. Dados recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) apontam essa disparidade: enquanto as escolas estaduais atingiram uma média de 3,9 no aprendizado, as do ensino privado alcançaram 5,6. Esses números mostram que grande parte dos alunos da rede pública não recebe a preparação adequada para os vestibulares.
O professor Washington Cunha, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) diz que essa desigualdade na educação é uma questão profunda que afeta nossa sociedade. Segundo ele, as principais dificuldades que o país enfrenta envolvem a falta de investimento na educação pública: “A educação acaba sempre sendo vista como um gasto e não como um investimento. Se não houver investimento, vai continuar tendo essa deficiência na questão da educação pública, e os índices de aprendizado vão continuar caindo”.
Os resultados do aprendizado mostram o quanto o ensino público ainda precisa melhorar, principalmente na questão de investimento. O professor diz que investir na educação e na infraestrutura das escolas é fundamental para diminuir a desigualdade, além de melhorar a qualidade do ensino para que seja possível ingressar em uma universidade.
O professor Angelo Figueiredo explica que o Brasil é submetido a um projeto de desmonte e descapacitação que enterra as possibilidades dos alunos obterem uma educação adequada. Ele argumenta que a infraestrutura precária das escolas, que se encontram com carteiras quebradas, sem ar condicionado e a falta de professores, são fatores que acabam contribuindo para a má formação dos alunos de escola pública.
Do ponto de vista de Figueiredo, o Brasil ainda apresenta deficiências na educação pública que podem refletir no desempenho desses jovens nas provas. De acordo com ele, os índices de aprendizado mostram parte dessa desigualdade. O professor também conta que as dificuldades no ensino se refletem nas universidades, onde vemos que uma parte significativa de alunos da elite e da classe média alta ainda prevalece entre os aprovados. “Apesar do Enem ser a principal porta de entrada para várias universidades e de ser um acesso de democratização ao ensino superior, na maioria das vezes quem tem mais recursos para pagar cursinhos, aulas específicas, acaba se preparando melhor. A parcela pobre, mesmo com as cotas, ainda é uma parcela pequena. De certa forma, esses números expõem as dificuldades que os alunos enfrentam na educação pública”, explica o professor.
Leila Araújo, de 20 anos, é uma das jovens que não têm condições de se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e que precisa compensar esse prejuízo de maneira independente. Ela conta que as escolas da rede pública, inclusive a sua, têm recursos limitados, infraestrutura precária e enfrentam dificuldades em proporcionar uma educação de qualidade parecida com a oferecida pelas instituições particulares. “Os alunos de escolas particulares acabam tendo um ensino voltado inteiramente para as provas de vestibulares, enquanto na escola pública, aprendemos o básico e precisamos encontrar alternativas para suprir esse problema. Eu não me sinto totalmente preparada para fazer a prova e ter que competir com um estudante de escola particular por uma vaga”, conta Leila.
A jovem, que vai realizar o exame pela segunda vez, está desde o começo do ano estudando para as provas com o apoio do pré-vestibular. Leila fala que percebeu que sua maior dificuldade era em exatas e na redação, e que os conteúdos vistos na escola não eram suficientes: “No pré-vestibular as matérias pareciam ser extremamente avançadas e eu tinha a sensação de não ter aprendido aquilo, principalmente com matemática e redação. Acho que o pré vestibular me ajudou a entender algumas matérias que eu tinha visto de forma mais básica na escola. Foi um momento importante porque eu vi que eu não estava nem um pouco preparada para o Enem apenas com aqueles conteúdos vistos na escola.”
Impacto da Lei de Cotas
O Projeto de Lei (PL) 5.384/2020, que atualiza o sistema de cotas no ensino federal, foi recentemente aprovado no Senado. Agora, os candidatos cotistas vão concorrer também nas vagas de ampla concorrência. Caso não consigam nota suficiente, passam a concorrer às vagas reservadas. O projeto muda os critérios socioeconômicos que levam em conta a renda e a formação em escola pública pela reserva de vagas, e também os quilombolas, que estão inseridos entre os beneficiados. Neste contexto, a Lei de Cotas se apresenta como uma medida fundamental para a ampliação do acesso dos alunos do ensino público e de baixa renda ao ensino superior. A lei reserva 50% das vagas nas universidades públicas e se mostra como uma chance para esses estudantes.
O professor Angelo acredita que as cotas têm um impacto positivo na democratização do acesso às universidades, pois possibilita um maior acesso daqueles alunos que não são privilegiados socialmente. Ele diz ainda que é a partir das cotas que vamos ter uma maior representatividade dentro das universidades: “A gente espera que, com as cotas, exista uma representatividade no ensino superior, com turmas que não sejam só de integrantes da elite e moradores de áreas nobres. Com a lei de cotas, nós estamos mitigando esse problema da desigualdade na educação”.
Larissa Souza, de 23 anos, sempre estudou em escolas públicas. Foi através das cotas que ela realizou o sonho de ser aprovada em uma universidade pública. Ela conta que, apesar das dificuldades enfrentadas, nunca desistiu e que procurou se dedicar ao máximo nos estudos. “Eu não acreditava que seria possível ingressar em uma universidade. Tive uma base na escola muito fraca para competir com alguém de escola particular. Foram as cotas que abriram as portas pra mim, me deram a oportunidade de entrar numa faculdade. Eu sou a primeira pessoa da minha família a fazer uma faculdade. Me sinto muito feliz em, no futuro, poder proporcionar uma vida melhor pra minha família através dos estudos,” conta Larissa.
Leila, que vai prestar vestibular esse ano, procura ter pensamentos positivos. Ela pretende concorrer às vagas reservadas e vê as cotas como uma esperança para realizar seu sonho de cursar uma faculdade, embora ainda existam desafios a serem enfrentados para chegar lá: “A lei de cotas é uma esperança para muitos estudantes de escola pública, como eu. As cotas representam pra mim uma igualdade de oportunidades e que podem transformar a minha vida e me ajudar a ingressar no ensino superior”.
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