Cientista político vê avanço para democracia brasileira com nova proposta
Repórter: Gabriel Amaro
Editor: Eduardo Dias
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/2021, que propõe proibir militares da ativa de disputarem eleições, avança no Congresso com assinaturas suficientes para ser discutida em plenário. A proposta sugere que os membros das Forças Armadas precisem se afastar de suas carreiras militares e entrar na reserva antes de concorrer a cargos eletivos.
Segundo um levantamento de 2020 do Tribunal de Contas da União (TCU), o número de oficiais na administração federal mais que dobrou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Este aumento, aliado à desconfiança pública, cria novos contornos para o debate sobre a presença e o papel das Forças Armadas na política nacional.
Rodrigo Badaró de Carvalho, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vê a PEC como um passo necessário para o amadurecimento da democracia brasileira. “O Exército e as polícias são instituições de Estado. A longo prazo, acho que a tendência é que consigamos deixar os militares um pouco mais distantes da política, o que é desejável,” afirma Carvalho.
Ele ainda destaca que, em um momento em que militares se associam fortemente a um projeto político, é fundamental que essas figuras saiam da ativa para trilhar sua trajetória política desvinculada dessas instituições. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) será o relator da PEC, que originalmente também barrava a nomeação de militares para o comando de ministérios, mas chegou enfraquecida ao Legislativo.
Dados de 2023 do Datafolha revelam que a opinião pública está dividida: 48% dos brasileiros desaprovam a presença de oficiais das Forças Armadas na administração pública, enquanto 47% não se opõem. No entanto, 61% acreditam que militares estiveram envolvidos em irregularidades durante o governo Bolsonaro.
A desconfiança em relação aos militares se justifica. A operação Lucas 12:2, da Polícia Federal, revelou uma rede de esquemas que incluía militares de alta patente em atividades ilícitas, como a suposta venda de presentes valiosos recebidos por Bolsonaro durante suas viagens oficiais. Entre os militares implicados estão o general Mauro Cesar Lourena Cid e seu filho, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid. O dinheiro das vendas, de acordo com a investigação da PF, retornava em espécie para Bolsonaro.
“O retrato de um governo militar”
O cientista político entende que o governo Bolsonaro minou a credibilidade de uma instituição que muitos consideravam íntegra, o que afeta a percepção pública sobre a dignidade dos militares. “Havia ali o retrato de um governo militar. Se isso em algum momento talvez tenha sido o cenário de pessoas sérias e honradas, o governo Bolsonaro desfez qualquer percepção desse tipo”, sugere Carvalho.
Ainda segundo o cientista político, a presença de oficiais e generais em funções para as quais não possuíam a devida capacitação prejudicou a eficiência governamental: "O caso mais emblemático talvez tenha sido o de Eduardo Pazuello, no Ministério da Saúde, em meio à crise pandêmica. Tivemos ali um atestado de incompetência".
Pazuello, que deixou o cargo em março de 2021 em meio a 279.602 mortes por Covid-19 no Brasil, ainda recebeu salários do governo. O ex-ministro assumiu uma nova função como secretário de Estudos Estratégicos, com remuneração que, somada ao seu salário de militar, totalizava R$ 30 mil.
Ele se tornou o primeiro general da ativa a ter indiciamento sugerido por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Pazuello foi acusado de cinco possíveis crimes no relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), incluindo epidemia com resultado morte e crimes contra a humanidade. Citado mais de 150 vezes no documento, ele é apontado como um dos principais responsáveis pelos atrasos na compra de vacinas e perdeu apenas para Bolsonaro em número de imputações propostas.
Outros 79 postos de segundo escalão foram igualmente preenchidos por militares durante o governo Bolsonaro, a maioria colegas de turma do ex-presidente. Eles retornaram às suas funções internas nas Forças Armadas após o fim do mandato presidencial. Segundo levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) de 2022, pelo menos 2,3 mil militares ocupavam funções de confiança irregularmente na administração federal.
A presença de militares em cargos civis não é um fenômeno novo na política brasileira, mas ganhou destaque e controvérsia recentemente. “Foram inúmeros golpes e tantas outras tentativas ao longo de todo o século XX”, lembra Carvalho. De acordo com ele, figuras importantes de movimentos recentes de direita estão diretamente ligados a esse histórico antidemocrático. “Sem dúvida nenhuma, Bolsonaro, Mourão, Heleno e cia são herdeiros dessa tradição golpista que sobrevive nas Forças Armadas brasileiras”, afirma.
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