Número de doadores cresce, mas Brasil vive luta contra fake news na área de saúde
Repórter: Rafael Lopes
Editor: Eduardo Dias
A desinformação é um dos principais obstáculos para reduzir o número de pessoas que esperam por doação de órgãos. Segundo relatório do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), há no Brasil, atualmente, 66.279 pacientes na lista de espera. O SNT também divulgou que o país, em 2023, conta com 19 doadores a cada milhão de habitantes, um acréscimo de 15% em relação aos 16,5 de 2022. Mas ainda há um longo caminho pela frente: a Espanha, país com mais doadores disponíveis, conta com 46 a cada milhão.
Mesmo com a cobertura recente da imprensa, os meios de comunicação muitas vezes não divulgam informações precisas, ampliando a desinformação sobre o assunto. Com os casos recentes de Fausto Silva e MC Marcinho, foram veiculadas notícias colocando em xeque a justiça da lista de espera do SUS. Veja a matéria abaixo:
O título da notícia acima é falso e não condiz com o conteúdo veiculado. Na verdade, a matéria explica a possibilidade de o apresentador pagar pelo transplante nos Estados Unidos. Portanto, ele não furaria a fila se tomasse esta decisão. O sistema de espera por transplantes não privilegia os mais ricos, mas sim os mais necessitados. Isso acontece porque, universalmente, a conduta médica considera principalmente a gravidade dos pacientes, priorizando os casos mais urgentes.
Além disso, o termo ''lista'' é o mais apropriado, já que a palavra ''fila'' carrega a noção de ordem linear, e essa não é a lógica. Na verdade, além da gravidade, o órgão é disponibilizado conforme a compatibilidade do destinatário, definida pelo tipo sanguíneo, altura e peso. Não existe uma lista única: o sistema determina qual paciente será prioritário de acordo com as características de cada doador. O dinheiro não é um fator sequer considerado, logo, é impossível comprar posições de espera.
Assim como os critérios do SUS, casos de morte encefálica também são alvos de desinformação. Também conhecida como morte cerebral, ela consiste na disfunção total e permanente do cérebro. Este tipo de diagnóstico tem protocolos muito rígidos e implica num quadro de irreversibilidade, ou seja, não há como retomar a atividade cerebral uma vez que o diagnóstico tenha sido feito. Esta condição é um fator importante, pois os pacientes se tornam possíveis doadores de órgãos.
É muito comum o uso indevido do termo em matérias sobre pacientes que acordaram após um longo período de coma. É o caso do estadunidense T. Scott Marr, que voltou a responder a estímulos após ter a morte cerebral decretada em 2019. Com o ocorrido, o diagnóstico foi descartado e exames comprovaram que a causa foi a Síndrome da Encefalopatia Reversível Posterior, porém muitas manchetes ignoraram esse fato.
Mariana de Almeida, especialista em Clínica Médica pela Uerj, comentou o impacto negativo do discurso da reversibilidade da morte encefálica:
‘’Se declarar doador não basta para assegurar que seus órgãos sejam transplantados. A palavra final é sempre dos familiares do paciente, independente da decisão em vida. Muitas das mortes cerebrais ocorrem de forma repentina e traumática para a família, como é o caso de AVCs (acidente vascular cerebral) e acidentes automobilísticos. Mesmo sem atividade cerebral, o paciente respira com ajuda de ventiladores, o que pode dificultar a aceitação do diagnóstico de morte pelos familiares. Enquanto o discurso de reversibilidade ganha força, a chance de aprovação à ideia de transplantar enfraquece.’’
Apesar da dor causada pela perda, é justamente nesse momento que é feita a sugestão do transplante de órgãos, e o melhor a se fazer é ressignificar o momento com um ato de solidariedade.
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