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  • Gabriel Amaro

Brasil no comando do G20

País lidera o bloco até 2024 e busca reconstruir sua imagem internacional


Repórter: Gabriel Amaro

Editor: Larissa Mafra


Presidente Lula recebe martelo que simboliza o comando temporário do G20 de Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Pela primeira vez em sua história, o Brasil está prestes a assumir a liderança temporária do Grupo dos 20 (G20), um fórum internacional que reúne as maiores economias do mundo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu a presidência — de maneira simbólica — durante o encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do grupo, que ocorreu em Nova Déli, na Índia, entre os dias 9 e 10 de setembro. O mandato, que terá duração de dezembro de 2023 a novembro de 2024, coloca o país em uma posição única para influenciar políticas globais em áreas críticas.

A liderança do G20 é rotativa e anual, com o país líder responsável por definir a agenda e sediar a cúpula. A Índia lidera o grupo em 2023, e o Brasil assume em 2024, com a troca oficial programada para 1º de dezembro deste ano. Vale destacar que as nações do G20 representam cerca de 85% do PIB global, mais de 75% do comércio mundial e quase dois terços da população global, de acordo com dados do grupo.

O comando brasileiro assume grande relevância, tanto para o país quanto para o cenário global. O Brasil busca não apenas estabelecer políticas mundiais em áreas como economia sustentável, direitos humanos e mediação de conflitos, mas também reconstruir sua imagem internacional após anos de isolamento e críticas.

Fernando Padovani, professor de Economia Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que o Brasil tem um papel único no cenário global de sustentabilidade. “Dentre as grandes economias emergentes, todas marcadas pela elevada pegada de carbono, o Brasil talvez seja a mais sustentável, devido à sua matriz energética baseada amplamente no biocombustível e na energia hidroelétrica.”

Padovani destaca a oportunidade do país servir como um “exemplo positivo” para outras nações emergentes, apontando para matrizes energéticas mais limpas. Contudo, ele também ressalta que o Brasil precisa abordar questões de imagem relacionadas ao desmatamento para assumir efetivamente essa posição de liderança.


Reunião da cúpula do G20, na Índia. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O economista reforça que os impactos da presidência do Brasil no G20 podem ser mais significativos a longo prazo, especialmente na relação entre o antigo G7, composto por economias avançadas, e o grupo Brics, formado por um bloco de nações emergentes, incluindo o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

De acordo com dados do Banco Mundial para o ano de 2022, o Produto Interno Bruto (PIB) por paridade de compra do Brics representa 36,6% do total global, enquanto o G7 representa 29%. Além disso, o Brics anunciou em sua 15ª cúpula que Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia serão membros plenos do grupo a partir de 1º de janeiro de 2024. Padovani sugere que a liderança brasileira no G20 pode influenciar a "configuração de poder" entre esses dois grupos, abrindo ou fechando oportunidades econômicas significativas para o Brasil no longo prazo.

No contexto da Aliança Global para Biocombustíveis, uma iniciativa conjunta entre os EUA, Brasil e Índia, o economista antecipa impactos significativos não apenas para o Brasil, mas também para o cenário global. “Essa ampliação, mesmo que parcial, pode trazer impactos muito positivos para o agrobusiness brasileiro, ampliando mercados e gerando riquezas,” observa.

A aliança tem como objetivo principal incentivar o uso global de biocombustíveis como uma estratégia para cumprir os compromissos estabelecidos no Acordo de Paris durante a COP21 em 2015, que busca mitigar as mudanças climáticas. Embora a iniciativa possa contribuir para a redução da dependência de combustíveis fósseis, Padovani alerta para desafios em potencial, como o aumento dos preços dos alimentos e questões relacionadas ao desflorestamento, que ainda são tópicos de discussão em âmbito global.


A agenda brasileira


Lula em discurso após a última cúpula do G20. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Na visão da professora de Política Internacional e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (GEPPIC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Danielle Ayres, a postura do Brasil, sob a liderança de Lula, é manter sua “tradicional posição” de buscar a resolução pacífica de conflitos entre potências globais. A especialista destacou que a posição brasileira é "diametralmente oposta às vontades dos Estados Unidos", especialmente no contexto da guerra na Ucrânia.

Ayres se referiu ao conflito como um cenário onde o “embate” entre Estados Unidos e China pode ser "lutado nas vias de fato". A China, ao se aliar de alguma forma à Rússia, “levanta nos Estados Unidos um grande medo de um lado muito forte na briga pela nova ordem mundial”, disse ela. Ayres afirma que o Brasil não tem recursos econômicos para ser o único mediador da guerra, mas pode ser um “ator muito importante no processo”.

A especialista foi cautelosa quanto à possibilidade de uma reforma iminente na governança global — um dos pontos mais importantes da agenda brasileira —, considerando-a “muito distante” no cenário atual. Ela apontou que instituições como o G20, G7 e os Brics surgem como alternativas ao enfraquecimento da Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, ressaltou a importância de o Brasil estar presente e influenciar essa futura mudança. “Nós não podemos deixar de estar presente nela e de influenciar a maneira como ela vai ser criada”, afirmou.

Para Ayres, a principal meta do Brasil durante sua presidência no G20 deve ser o combate à fome e à desigualdade. “Essa vai ser sempre a meta do Brasil governado por Lula em qualquer fórum”, disse. A professora também vê a presidência do Brasil no G20 como uma oportunidade para centralizar questões como desigualdade e meio ambiente no debate global.

Durante a última cúpula, o presidente Lula enfatizou a urgência de erradicar a fome global até 2030 e de combater as mudanças climáticas através de “vontade política e determinação”. Ele pediu uma maior inclusão de países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), além de abordar a necessidade de reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no Conselho de Segurança da ONU. Lula alertou que o fracasso em atingir essas metas representaria “o maior fracasso multilateral dos últimos anos” e anunciou a criação de duas forças-tarefas: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.

Segundo Thiago Lima, doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), “o mais importante será a reconstrução dos contatos, redes e, em geral, da credibilidade do Brasil que foi profundamente abalada com o governo Temer, mas sobretudo o de Bolsonaro”. O país entra em cena no G20 com a tarefa de reverter uma reputação manchada por questões ambientais, políticas internas controversas e uma diplomacia errática nos últimos anos.

Lima acredita que o Brasil deve ir além das políticas de segurança alimentar que já implementou no passado. Ele sugere que o país invista em abordagens simbólicas, culturais e normativas, além de políticas públicas, para criar uma defesa mais robusta contra retrocessos na luta contra a fome. “No começo do século, quando o Programa Fome Zero era uma novidade, o Brasil contava com esse elemento de surpresa, possibilitando a formação de muitas parcerias. Mas agora não há mais novidade e a experiência brasileira mostrou que retrocessos são possíveis.”

O especialista enfatiza que essas novas estratégias devem ser desenvolvidas de forma participativa, adaptadas às novas realidades e abertas a aprendizados de outros países. A próxima cúpula do G20 será em novembro de 2024, no Rio de Janeiro.



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