‘Tive que provar que sou preto’, relata homem convocado para Comissão de Heteroidentificação
Repórter: Juliana Nascimento
Editor: Bernardo Monteiro
Em 2020, houve um aumento de 250% nas denúncias de fraudes em cotas raciais, comparando com o ano anterior, segundo informações do Gedhdis (Grupo de atuação especial de defesa dos direitos humanos e combate à discriminação), do Ministério Público da Bahia. Índices de irregularidade como este tem se repetido cada vez mais, e por isso, em 2017, o STF (Superior Tribunal Federal) torna constitucional que candidatos passem por bancas de comprovação racial (Comissão de heteroidentificação).
Se tornar um servidor público mudou a vida de Djalma Pereira, 32 anos: “Fiquei na dúvida sobre as cotas, mas tem gente branca que não tem e entra nas nossas vagas. Eu estudei muito para passar e, além do salário digno, minha mãe tem orgulho em dizer que trabalho em uma universidade”, diz o assistente administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Fraudadores impedem o acesso de quem realmente tem direito
A Comissão de heteroidentificação, etapa complementar à autodeclaração, verifica a identificação étnico-racial de uma pessoa a partir de características físicas como textura do cabelo, cor da pele e aspectos faciais. Podem concorrer às vagas da cota racial quem se autodeclarar preto ou pardo durante a inscrição no concurso, observando os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), que define que negros, no Brasil, são o somatório de pretos e pardos.
Para Bruno Cândido, advogado especialista em direitos antidiscriminatório, o processo de comprovação racial embora sensível e complexo, é fundamental para evitar possíveis distorções: "A definição de critérios e a forma como a autodeclaração é validada são pontos cruciais. É preciso garantir que as políticas afirmativas atinjam seu objetivo sem gerar conflitos ou injustiças", afirma o membro da Advocacia Preta Carioca.
Cândido já recebeu muitas denúncias de suspeitas de fraudes, e precisou acionar o Conselho Nacional de Justiça para que investigações fossem feitas. “A gente comemora cada vitória, onde candidatos perdem suas nomeações quando a fraude é comprovada. Miscigenação não deve ser usada como argumento para tentar burlar as políticas públicas voltadas à diminuir a desigualdade racial no Brasil”, diz o advogado.
Matheus Santos, 39 anos, ficou surpreso ao ser convocado pela Comissão de Heteroidentificação, porque considera suas características negras muito evidentes. “Fiquei nervoso, a gente fica numa sala, tiram muitas fotos, parece um tribunal e eu tive que provar para cinco pessoas [integrantes da Banca] o que nunca questionaram antes na minha vida, que sou preto”, relembra o servidor técnico administrativo, que viu no concurso público a chance de ter estabilidade financeira e um plano de saúde.
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